"Hoje, acolho no meu trabalho tudo o que me atravessou e me transformou"
- Julio Cesar Picelli
- 30 de nov.
- 5 min de leitura

Por décadas, eu acreditei, como muitos de nós, que o mundo corporativo premiava apenas competência, entrega e resultado. E por muitos anos isso até foi verdade. Mas quando a maturidade chegou, acompanhada de mudanças profundas na economia, na tecnologia e nas relações de trabalho, percebi que algo começava a se deslocar dentro de mim e ao meu redor:
O que antes era reconhecimento passou a ser dúvida;
O que antes era espaço virou silêncio;
O que antes era pertencimento transformou-se em inadequação.
E ali eu encontrei o etarismo não apenas como uma barreira social, mas como um espelho que me obrigou a olhar para dentro.
Etarismo não é só sobre idade: é sobre identidade.
Quando o mercado começa a dar sinais de que você está “velho demais”, o impacto vai muito além da carreira. Ele mexe com a forma como você se percebe, com o valor que acha que tem, com a certeza que um dia sustentou suas escolhas.
Mas o etarismo também pode ser um chamado poderoso para um processo profundo de autoconhecimento, para revisitar a própria história e fazer perguntas que raramente fazemos antes da meia-idade:
O que, de fato, ainda faz sentido para mim?
Quanto da minha carreira foi escolha e quanto foi sobrevivência?
Quem sou eu sem os cargos, os crachás, os títulos?
O que desejo construir daqui para frente, como sujeito, e não como personagem?
No meu próprio percurso, o etarismo foi o início e não o fim.
Foi nesse momento que encontrei a coragem (e a necessidade...fui demitido aos 50+) de me reinventar e mergulhar no trabalho como terapeuta, não como teoria, mas como vida pulsante.
A transição de carreira na maturidade: coragem, desapego e verdade
Poucos dizem, mas mudar de carreira depois dos 50 exige muito mais do que planejamento.
Exige desapego, porque você terá que deixar ir versões de si que já não respondem mais ao que você se tornou.
Exige coragem, porque você vai enfrentar olhares, comentários, comparações e expectativas.
Exige enfrentamento, porque o medo aparece, e aparece alto.
E exige relacionamentos e rede, porque ninguém atravessa a vida adulta sozinho.
Na minha trajetória, a mudança não foi resultado de um plano perfeito, mas de um processo interno profundo: a percepção de que continuar era trair a mim mesmo e que recomeçar era a única maneira de voltar a me escutar.
Foi também aqui que compreendi o quanto a saúde mental é atravessada pela carreira.
Como psicanalista clínico hoje, vejo diariamente pessoas vivendo:
ansiedade pela instabilidade do mercado;
estresse intenso e permanente;
medo de ficar para trás;
insegurança sobre competências, valor e futuro;
angústia pela perda de identidade quando o trabalho muda ou desaparece;
culpa por não “dar conta” de acompanhar tudo.
E eu sei o que essas dores significam porque vivi cada uma delas.
Mas o etarismo não é o único desafio: estamos vivendo uma ruptura no próprio mundo do trabalho.
Seria simplista demais culpar apenas a idade. O problema é mais fundo, mais complexo e mais inquietante. Estamos diante de transformações e mutações estruturais:
A inteligência artificial já ocupa espaços que antes eram humanos.
Modelos de negócio mudam mais rápido do que nossa capacidade de acompanhar.
A competição se tornou desumana.
O número de posições diminui, enquanto a exigência por atualização aumenta.
E, talvez o mais perverso: fomos ensinados a perseguir um “sucesso” que não é nosso.
Esse “sucesso”, que explique de forma coloquial, é aquela narrativa que a sociedade coloca na nossa cabeça desde cedo:
que só vale a pena se você tiver status, reconhecimento, dinheiro, cargo alto, prestígio e produtividade eterna.
Mas esse sucesso muitas vezes é uma ilusão da sociedade de consumo, que ocupa nossa mente, molda nossos desejos e cria uma sensação constante de inadequação.
“E quando essa ilusão começa a ruir na meia-idade, seja pelo etarismo, pelo burnout, pelo desemprego, pela transição ou simplesmente porque a vida mudou muitos sentem que fracassaram. Mas será que é mesmo fracasso? Ou é apenas o que fomos treinados, pelo olhar do outro, a chamar de fracasso?
Talvez seja um despertar. Uma fresta por onde emergem perguntas adormecidas: onde está o meu desejo? E, mais ingenuamente, onde guardei aqueles sonhos de super-herói ou super-heroína da infância? Para onde foi aquele mundo em que tudo era possível, claro e simples?
Em que momento perdi ou escondi esse ‘EU’? Foi para pagar contas? Para cumprir um roteiro que me ensinaram a viver? Para provar aos outros que sou capaz? Para caber em um grupo social que nem sempre corresponde ao que idealizei e que talvez eu ainda idealize?
Será que, na soma de tudo, esse foi realmente o melhor jeito que consegui ser? Ou apenas o jeito possível naquele momento da vida? Por que outros caminhos não aconteceram? E, sobretudo: será que ainda podem acontecer?”
Por que falo tudo isso? Porque este é exatamente o espaço onde meu trabalho terapêutico acontece.
Ajudo pessoas que estão:
passando por transições de carreira;
enfrentando etarismo explícito ou silencioso;
lidando com medo, ansiedade e dúvidas sobre o futuro;
carregando inseguranças que nunca tiveram tempo ou coragem de olhar;
buscando sentido, caminho e novo lugar no mundo.
ressignificando modelos, crenças, valores e principalmente ideais construídos ou desejados
Levo comigo mais de 30 anos de experiência corporativa, mais de 1000 horas clínicas e uma formação sólida na psicanálise, mas, acima de tudo, levo a minha própria história.
Eu sei o que é recomeçar. Eu sei o que é perder e reconstruir. Eu sei o que é sentir que o mundo deixou de caber em você — e ainda assim encontrar um novo espaço.
E é esse espaço que ofereço hoje: um lugar de escuta séria, segura e profunda, onde cada pessoa pode revisitar sua história, transformar sua relação com o trabalho e com a idade, e abrir novos capítulos possíveis — reais, autênticos e alinhados ao desejo.
Se você sente que está entrando (ou já entrou) nesse momento da vida, você não está sozinho.
A maturidade não é o fim. É a chance mais radical que temos de nos reinventar com verdade.
Se quiser conversar sobre sua trajetória, seus medos, sua transição ou simplesmente sobre o que está pesado demais para carregar sozinho, estou aqui.
Julio Cesar Picelli - Psicanalista Clínico
Bibliografia
Freud, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. Companhia das Letras, 2011.
Freud, Sigmund. Inibição, Sintoma e Angústia. Imago, 1976.
Freud, Sigmund. O Eu e o Id. Imago, 1974.
Lacan, Jacques. Escritos. Jorge Zahar, 1998.
Lacan, Jacques. O Seminário, Livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise. Jorge Zahar, 2008.
Lacan, Jacques. O Seminário, Livro 20: Mais, Ainda. Jorge Zahar, 2008.
Winnicott, D. W. O Ambiente e os Processos de Maturação. Artmed, 1983.
Winnicott, D. W. Natureza Humana. Imago, 1990.
Jung, C. G. O Desenvolvimento da Personalidade. Vozes, 2016.
Bauman, Zygmunt. Modernidade Líquida. Zahar, 2001.
Bauman, Zygmunt. Medo Líquido. Zahar, 2008.





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